segunda-feira, 20 de abril de 2009

Caixinha não, Futebol é um Festival de Surpresas


Todo fã de futebol já assistiu algum dia a um resultado totalmente surpreendente; times desacreditados arrancando vitórias de superpotências e esquadrões de craques afundando perante equipes muito menos talentosas. Futebol é a famosa “caixinha de surpresas” – neste esporte é possível vencer em inferioridade numérica ou contra times mais fortes, e é possível vencer fora de casa, apesar da arbitragem ou até jogando mal. Mas com tantas surpresas improváveis acontecendo, o futebol ainda faz sentido?

Dentro do campo, quase sempre faz. Mesmo quando resultados inesperados ocorrem, se os acontecimentos ao longo da partida forem observados objetivamente é possível identificar como se chegou ao resultado final: às vezes o juiz interfere no resultado, e o observador tem que decidir por si mesmo se as decisões questionáveis do juiz foram erros honestos ou manipulações premeditadas. Às vezes grandes jogadores vão mal em momentos decisivos (nós somos humanos afinal de contas, e todos temos dias ruins de vez em quando), às vezes jogadores normalmente medíocres brilham intensamente num breve período de inspiração (quem aí se lembra do Oleg Salenko?).

O problema é que todas essas cadeias lógicas de eventos frequentemente subvertem nossas expectativas de antes do jogo. Mesmo o conceito idealmente claro de “quem é o Melhor Time” é ambivalente e discutível no futebol; mesmo os times mais fortes, como o Manchester United e o Barcelona, têm que tomar cuidado quando enfrentam equipes locais mais modestas como o Portsmouth ou o Getafe, porque os times grandes sabem que no futebol PODEM perfeitamente perder para times menores a qualquer momento.

Alguns fãs de futebol mais jovens ficaram escandalizados quando a Itália foi eliminada pela Coréia em uma Copa recente, mas este tipo de surpresa vem acontecendo desde sempre. Recentemente a poderosa Seleção Brasileira perdeu para a Venezuela, mas já na Copa do Mundo de 1950 o time de amadores dos Estados Unidos venceu a favoritíssima Inglaterra (e até fizeram um filme contando essa história). Futebol é um esporte que permite resultados inesperados a qualquer momento. Na Copa de 1990, o time da Costa Rica era o azarão do grupo C, com o Brasil de franco favorito e Escócia e Suécia dividindo as apostas sobre quem ficaria com o segundo lugar do grupo – e quem diria, os modestos Costarriquenhos venceram Suecos e Escoceses e heroicamente se classificaram para a fase eliminatória. E quem se lembra de Marrocos na Copa de 86? Sorteados no mesmo grupo F da Inglaterra de Lineker, do Portugal de Paulo Futre e da Polônia de Boniek, os Marroquinos empataram com Inglaterra e Polônia e venceram Portugal, e surpreendentemente venceram o seu grupo! Futebol é assim. Qualquer fã de futebol que não ESPERE imprevistos em competições eliminatórias claramente não prestou atenção à história deste esporte. O quase desconhecido Once Caldas um dia venceu a Libertadores, e o Estrela Vermelha venceu a Copa dos Campeões da Europa – porque tudo pode acontecer neste jogo maluco. E qualquer um que suponha que o time mais forte vencerá apenas por ter melhores jogadores se arrisca a queimar a língua.

A mais arriscada defesa de Higuita


Uma bola desviada em uma curva estranha, um passe descuidado em lugar perigoso, um jogador chave que se contunde e abala a concentração de seus companheiros, uma hesitação momentânea permitindo que o impensável aconteça... São muitos os pequenos detalhes que podem mudar o curso de uma partida, não só eventos comuns tais como interferências da arbitragem e “nós táticos”. Afinal, quase tudo que é feito dentro do campo pode dar errado. Quando um jogador faz um lançamento ele está tentando acertar, e craques acertam com mais frequência, mas sempre é um risco; até maestros lendários como Zidane e Didi às vezes erravam passes. Até um mestre como Zico podia errar cobranças de pênalti decisivas. Um centroavante pode chutar a gol várias vezes, mas até o melhor artilheiro pode perder gols feitos, e você nunca sabe se uma finalização vai encontrar seu destino (sem falar nos goleiros e defensores chatos que cruelmente tentam estragar todo o trabalho do pobre centroavante). Toda bola que é cruzada sobre a área é um arremesso de dados em grande escala; e toda vez que o goleiro tem que reiniciar o jogo, ele tem que escolher entre dar um chutão pra frente ou passar a bola a um companheiro próximo, sempre torcendo para aquela ser a decisão certa. Existem milhares de pequenas decisões em cada partida, várias escolhas pequenas porém decisivas feitas por cada uma das dúzias de pessoas envolvidas com o jogo (jogadores, técnicos, árbitros e bandeirinhas) – e todas estas decisões se somam, erros e acertos, passes magistrais e medíocres, tropeços e momentos de inspiração, e a soma disso tudo leva diretamente ao placar final da partida.

Quando o jogo termina, nos levantamos de nossos assentos e começamos a procurar por narrativas claras para o que nós assistimos – o artilheiro acabou com o jogo sozinho, esse goleiro é um frangueiro, o juiz safado nos roubou – mas raramente é tão simples assim. Jogadores não vencem jogos sozinhos, não importa quem sejam. E mesmo o juiz mais corrupto e descarado do mundo não pode garantir com 100% de certeza que o time A vá vencer o time B, porque ele não pode impedir todos os chutes de entrarem, e até um time em inferioridade numérica pode vencer.

O futebol faz sentido, mas nunca é simples. É um esporte louco, imprevisível e impiedoso. E é por isso que o futebol é o maior esporte do mundo: é tão imprevisível quanto a vida, mas no futebol os pequenos Davis têm chances MUITO melhores de derrubar Golias.